O papel foi abandonado do alto de um prédio.Na cobertura,crianças mimadas e estúpidas brincavam de arremessar coisas e cuspir lá embaixo,na calçada.Mas com o papel foi diferente.Parecia um daqueles exemplos típicos de Queda Livre que a gente vê em Física,no Ensino Médio.A única diferença entre o papel-de-caderno amassado que foi largado pelas mãos de uma criança rica,moradora de uma cobertura em plena Copacabana e os exemplos idiotas da Física Newtoniana foi que a altura final do projétil não foi igual a 0m.Não,o projétil desta vez,preferiu um outro caminho e decidiu parar a 1,55m de altura,nas mãos de um professor de uma escola estadual.Cabe dizer que o professor não era tão baixo assim,é que antes de parar na suas mãos (a 1,55m) tinha batido levemente em sua cabeça.Não,o objetivo da criança não era o de jogar o papel na cabeça do homem que passava.Na verdade,da altura em que o garotinho estava,nem sequer conseguia calcular o tempo certo para atingir os transeuntes.Mas enfim,aconteceu.E aconteceu num péssimo dia.O professor de Física de Ensino Médio de escola estadual estava irritadíssimo por não conseguir fazer com que seus alunos,em maioria pretos,mulatos,pobres,burros e sem qualquer tipo de incentivo financeiro ou didático,entendessem como se calculava a velocidade de um projétil no movimento de Queda Livre.A criança do alto do prédio sempre arremessava ou largava papéis lá de cima e ficava olhando pra ver o que acontecia e,por consequencia disso,o professor viu a sua face vermelha,ingênua e risonha lá de baixo.Irritado,decidiu entrar no prédio e perguntou ao porteiro:
_Teria como fazer uma reclamação?
_Sobre? (perguntou o porteiro)
_Sobre um menino mal-educado que jogou um papel na minha cabeça e estava vindo deste prédio,eu vi.
_O senhor sabe o andar do prédio?
_Era da cobertura,tenho certeza!
_Senhor,é apenas uma brincadeira de criança.Tem um menininho na cobertura e imagino que deve ter sido ele quem jogou,não há por que punir o menino,deixa pra lá.
_Não precisa me chamar de senhor e eu me importo sim!Quero falar com os pais desse "menininho" agora.
_Olha,acho que não precisamos nos exaltar...
_O quê?!O senhor tem noção do que é a educação nesse país?!Compreende que é por causa dessa leviandade é que o país tá assim?Cheio de marginais,putas de 12 anos de idade...
_Senhor,não é necessário erguer a voz aqui.Caso o senhor continue alterado,vou ter de chamar a polícia.
Então,depois de alguns segundos onde o professor procurou se acalmar...
_Tá bom,eu só quero deixar os pais deles cientes do que seu filho vem fazendo.
_Olha,meu senhor,isso eu mesmo faço.
_Qual é o seu problema,hein?!Foi em você que arremessaram uma bolinha de papel em pleno horário-de-almoço de um dia quente e irritante?
_Senhor,vou ser obrigado a chamar a polícia.
_Por favor,eu preciso falar com os responsáveis dessa criança.
"Ah,meu Deus,o Sr. Anselmo não vai gostar nada disso",pensou o porteiro enquanto fazia a ligação pro morador mais poderoso e bem-sucedido do prédio.
_Alô,Sr. Anselmo,tem um senhor aqui embaixo reclamando do seu filho.Ele disse que o menino jogou uma bolinha de papel em sua cabeça.
_Mas como é que o guri jogou propositalmente uma bolinha de papel na cabeça desse cara,estando ele aqui na cobertura?Nem eu conseguiria calcular com tal perfeição...
_Sr. Anselmo,eu já tentei conversar e não resolveu...
_Mas eu me recuso a descer.Manda esse homem subir aqui,então.Mostrarei a ele pessoalmente como é impossível cometer tal ato propositalmente.
E o porteiro,dirigindo-se ao professor:
_O Sr. Anselmo pediu que você subisse.É só pegar o elevador e subir até o 16º andar.
_Obrigado.
O professor que estava extremamente exaltado,subia o prédio rangendo os dentes e querendo socar as paredes naquele dia em que fazia um calor de aproximadamente 37ºC no Rio de Janeiro.
Ao chegar no 16º andar,viu um homem sério e de testa franzida esperando-o na porta do apartamento.O homem que ele via,de repente falou:
_Não tem cabimento a acusação que faz ao meu filho,vou mostrar-lhe o porquê.
E antes que o professor começasse a falar,o homem já havia se direcionado para a parte externa do apartamento.Ao chegar lá,primeiramente o professor sentiu-se meio que nauseado e enquanto retomava seus sentidos,calado,ouvia os argumentos do tal Sr. Anselmo.
_...como acabei de te provar não seria possível acertar alguém daqui,de propósito.Está muito claro que foi acidental.
E retomados os sentidos,começou:
_Pode não ter sido com o intuito de me acertar mas é verdade que o moleque arremessou o papel,o que demonstra falta-de-educação!
O dono do apartamento começou a gargalhar e falou:
_Você acha que o meu filho tem quantos anos?
_Deve ter uns 5,parecia um meninão de onde eu vi.
_Meu filho mal completou 3 anos de idade,como assim isso é falta-de-educação?
O professor já desistia da argumentação e para que houvesse o Xeque-mate na refutação de seus argumentos,apareceu não se sabe de onde o menino.O menino aparentemente assustado com o estranho que estava em sua casa,escondeu-se entre as pernas robustas de seu pai.E o Sr. Anselmo,já triunfante,disse:
_Viu?É esse aqui o ser extremamente mal-educado de que falava?
E riu-se fazendo um gesto que indicava a porta.
O professor saiu cabisbaixo e antes de ter a porta fechada agressivamente em sua cara,limitou-se a dizer:
_Desculpe pelo engano.
Pegou o elevador,extremamente decepcionado e triste com a conclusão das coisas,saiu do prédio sem se dirigir ao porteiro,procurou o boteco mais próximo e comprou a cachaça mais barata que tinha.E bem no meio do expediente.Todas as suas frustrações como professor,agora ex-marido e pai divorciado voltavam à sua mente e foi assim que José Luis Caldas nunca mais parou de beber,tornando-se,em pouco tempo,mais um alcoólatra nesse Rio caótico,quente e insano.
3 comentários:
Nem todo xeque-mate é doce.
E notei que você tem certo interesse por pessoas fracassadas. Também acho que felicidade não rende texto, hehe.
Eu gosto da maneira como você encadeia os fatos nos seus textos.
Sempre pensei que atirassem o professor da cobertura :-))
UM FELIZ NATAL
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