segunda-feira, 3 de novembro de 2014

SER HUMANO

Eu nasci doente. "É genético", especialistas dizem. Quando na infância, morria de medo de que minha mãe quebrasse meus dentes, tamanha era a frequência dos tapas nada delicados que levava na boca, porque "eu era uma criança difícil". As crianças, diferentes dos zumbis, falam. Pelo visto, nem todas, mas eu falava (e ainda falo, às vezes, causando desabamentos e catástrofes (não) naturais nos relacionamentos pessoais) e falava muito. Tem dias que eu tenho vontade de chegar pra uma amiga em especial que eu odeio cada vez mais e dizer "PUTA!". Mas não é que "PUTA!" signifique "puta". Num certo sentido, provavelmente machista, provavelmente herdado secretamente da minha família de homens infiéis, falsamente intelectualizados e muitíssimo viris, talvez queira significar o que a palavra significa. Mas, ora, se eu amo as putas, como poderia ser ofensa, meu deus?! Eu amo puta, sempre amei. A primeira vez que beijei uma menina, eu sabia que ela era o que os outros chamam de "safada" (eu tinha 7, ela 9) e eu não fiz nada. Ela veio até mim e me chamou pra me beijar atrás de um coqueirinho que tinha na minha casa. É claro, minha mãe viu o beijo e me condenou, disse que eu ia "perder os dentes" e outras coisas. "She cursed me" e, desde então, sempre me senti culpado por beijar ou querer beijar as mulheres que eu amo, porque, parece, são todas putas.

Eu sempre me apaixonei com facilidade e sempre eram aquelas meninas que os caras comentavam pelas costas: "poo, não sei quem é facinha, geral já pegou" e eu só pensava: "mas, poxa, ela é tão mais legal, tão mais divertida que todas as outras!". Eu ficava constrangido de amar muito quem todo mundo desprezava muito. Mais recentemente, isso tem acontecido com bandidos. Quando vejo na televisão a alegria que a mídia e as pessoas comuns têm em ver estampadas e exibidas largamente as faces dos caras que acabaram de ser presos e que devem estar num momento foda, numa bad horrorosa e num momento humilhante, eu fico me lamentando: "Precisava dessa humilhação toda? O cara já tá sendo preso, né?! Já basta!" Mas aí, uma prima minha, em tom de correção (é que ela é formada em Direito, deve entender de justiça!) disse: "Eu acho é bom mesmo que mostrem bastante! Até pra gente saber quem são essas pessoas que ameaçam a nossa segurança!". Em seguida, sugeri: "Seria bom se marcássemos a ferro quente a testa de todos eles pra que pudéssemos sempre identificar esses seres para-humanos, além-humanos e de uma crueldade mítica, não é mesmo?". Mentira, acho que eu não disse nada. Faz anos que eu tenho preferido o silêncio às discussões. Tem gente que não merece.

Faz um tempo que eu, praticamente, só falo com quem merece. Quem não merece que se foda. Socializar tá ficando cada vez mais difícil, né? E o pior é que, às vezes, quando eu resolvo dar a minha opinião, algumas pessoas (especialmente, algumas mulheres) começam a me olhar, meio que babando, como se eu fosse uma espécie de deus e a minha opinião fosse o meu falo se materializando e se endurecendo e ejaculando e eu fico triste. Eu não quero ser deus, eu odeio deus, olha quanta gente deus já matou! O meu maior desejo, desde sempre (e é o que mais me fode "ever") é ser humano.

Eu quero reconhecimento, sim. O tipo de reconhecimento que a palavra imagina significar que é aquele do espelho. Você olha no espelho e se reconhece. Eu quero que as pessoas olhem pra mim e se reconheçam em mim! Eu quero que os mendigos me cumprimentem, falando: "Falae, irmão!". Mas não sei, a ingenuidade é cara. É o caralho! É uó! Eu já desisti de viver nesse mundo. Na primeira vez, foi ansiedade, na segunda vez foi premeditado. Não consegui. Deem-me mais uns 10 anos, acho que consigo ir embora. A não ser que eu alcance o meu objetivo (repito): SER HUMANO.