domingo, 28 de dezembro de 2008

Insensato

Eu ando por campos bonitos.Vejo cavalos e éguas.Eu vejo bois e bezerros e vacas e a grama não cortada.Eu vejo o desleixo do dono desta propriedade,apesar de o campo ser naturalmente belo.A grama não é cortada,os animais correm soltos e tudo é tranqüilo.Assim era a fazenda do meu tio.Não um lugar bem tratado,com grande produção bovina.Não era uma grande negócio.Era apenas um hobbie temporário.E eu percebia que meu tio já estava cansando daquilo.Sabendo disso,eu perguntei:
_Por que você não desiste disso tudo aqui?Você nem precisa fazer isso e,além do mais,não parece mais sentir prazer em cuidar dessas terras.
E ele respondeu:
_Eu preciso fazer isso porque foi uma meta estabelecida:fazer um negócio dar certo,mesmo depois de aposentado!
Eu,cansado da rotina de trabalho,deixei-o e só voltaria a insistir depois de alguns meses.Já fazia tempo que meu trabalho estava sendo cansativo demais,eu não me agüentava mais de tanto cansaço.E viver na minha casa era extremamente estressante,então decidi morar na fazendo com os meus tios por um tempo.
Apesar do desejo de tranqüilidade,aquele lugar parecia demasiado apático pra mim.Com o tempo,a mistura entre o cansaço do trabalho e a apatia de casa me deram uma inércia inexplicável.Já não conseguia me mover,não por doença nem nada,mas por desânimo.Para acabar com isso,passei a sair com os poucos amigos que me restavam toda sexta-feira.Conheci muita gente legal e encontrei uma garota que deveria me manter satisfeito com minha vida durante os próximos anos.Só que aconteceu algo estranho.
Ao sair da casa dos meus tios pela manhã,para ir ao trabalho,logo na porta,sinto um baque muito forte e meu corpo vai de encontro ao chão.E,de repente,estou assistindo de um lugar bem alto,o meu antigo corpo mover-se.Depois de horas sem nada entender,eu aceito:saí de meu corpo e agora apenas devo observar.E foi o que fiz por uma semana.
A visão não me agradava.Eu me achava mais bonito,mais interessante mas não.Eu era exatamente o que estava vendo ali.Seja lá o que tinha tomado o meu corpo,fazia as mesmas coisas que eu,falava as mesmas coisas que eu,enfim...era eu,só não sei como se deu o processo.Espiando atentamente cada passo,cada movimento e cada atitude,percebi quão vazia era minha vida.A minha namorada era uma idiota ignorante.Eu nunca fazia coisas realmente úteis para o universo.Era uma vida feia e egoísta.Eu só me sentia feliz por não estar lá,sendo aquele ser detestável e artificial.Logo que pude terminar essa reflexão,minha consciência foi enviada de volta ao corpo pela entidade responsável.
Agora eu estava mais inerte ainda.Decepcionado com o monstro vazio criado pelos meus pais.Eu tinha vergonha deles também por não terem me ajudado a me desenvolver de maneira a ser melhor do que era agora.E no ápice do meu desespero,tomei uma decisão:eu morro hoje,renascerei outro.Sem os amigos,sem a namorada,sem a família,sem mim.Naquele dia mesmo,pedi demissão,despedi-me dos meus tios,mandei uma carta aos meus pais(pra que só chegasse alguns dias depois,caso eles quisessem impedir-me),terminei com minha namorada e apaguei do celular os números de telefones dos amigos.Era um novo ser em um novo mundo.E como todo bebê,eu estava perdido,imerso em minha "re-ingenuidade".Não sabiá por onde começar,só tinha uma pergunta em mente:"O que posso fazer para tornar o mundo melhor?".A resposta não veio rápido.Peguei um ônibus para ir ao centro da cidade e me informar melhor sobre o que acontecia à minha volta.Li o jornal inteiro,compre revistas de filosofia e vi quão ruim era o ensino em minha cidade.Com apenas meu ensino médio,decidi ser professor voluntário de uma ONG em uma favela qualquer.
Com o tempo,ao invés de achar cada vez mais natural,toda a violência e brutalidade daquela periferia só me horrorizavam mais e eu passei a ver um futuro bandido em cada aluno meu.Como covarde,que sempre fui,não tive forças pra tentar educar essas crianças e evitar que se tornassem marginais.Desisti.Foram os dois anos mais complicados da minha vida.Todo aquele conflito...os livros de pedagogia e filosofia não tinham nada a ver com as situações que via todos os dias.Eu ia de Nietzsche a fuzis.De Paulo Freire a crianças fumando maconha.Essa foi minha realidade por dois longos anos.E como me sustentei nesse tempo?Essa ONG,era bem pequena,mas alguns professores voluntários haviam criado uma espécie de república bem próxima a comunidade a qual a gente atendia.Eu vivia lá e o dinheiro pra comer conseguia trabalhando como caixa em um restaurante Fast-Food.Quando desisti de dar aulas,pensei:"Como esses hambúrgueres chegam a esse restaurante?Será que pertence a uma fonte confiável?E quão saudável é esse sanduíche gorduroso?"Comecei a pesquisar sobre redes de Fast-Food e me informei melhor.Descobri que a carne bovina vinha com pequenas contaminações às vezes e que as redes de Fast-Food são das intituições que mais recebem processos por ano.Descobri que,obviamente,aqueles sanduíches não eram nem um pouco saudáveis e resolvi,não parar de trabalhar lá,pois senão não haveria dinheiro,mas fazer campanhas contra esse tipo de comida.Consegui juntar cinco pessoas,das quais 3 eram professores da minha ex-ONG e as outras duas eram amigas dos professores.Fazíamos campanha na porta de outros restaurantes e distribuíamos panfletos.Engajei-me na causa,tornei-me vegetariano,só havia um problema:o fato de trabalhar num Fast-Food.Meus companheiros de protesto,que agora já eram 10,achavam excessivamente contraditória a minha situação e,por fim,acabaram me expulsando do meu próprio projeto,alegando que eu era um hipócrita qualquer que só queria aliviar a culpa por fornecer aquele tipo de comida às pessoas.Era o meu fim,pensei.Eu tinha algo maior,que fizesse diferença na vida de muito mais pessoas.Fiquei cansado novamente,apático e melancólico.Nada que eu fizesse dava certo.Fui tomado por um pessimismo digno de Schopenhauer.Eu tornei-me tão desiludido com a vida que havia atingido o mesmo estágio de antes.Só que dessa vez foi pior.Eu havia enlouquecido!Comecei a ter depressão,com ela,as constantes mudanças de humor,não podendo sequer trabalhar.Todo o dinheiro que sobrou,gsatei indo a consultas psiquiátricas,só não havia mais jeito.Eu estava tomado pela insanidade.Fui parar em um sanatório,onde morei por 3 anos,até morrer.Hoje morto,tenho consciência o bastante para escrever isso aqui.Morri com 34 anos e meus pais nem sequer me procuraram naquele tempo,acho que respeitaram demais a minha decisão ou queriam se ver livres de mim.Se era a segunda,conseguiram.Aqui em cima é engraçado e,sem dúvida,muito melhor que aí embaixo.Estou mais feliz e mais bonito morto.Eu sou morto e quero estar morto para sempre.Viva a morte!E nela que se encontra a paz.

4 comentários:

Anônimo disse...

Eu já tentei renascer, mas descobri que não tenho talento para fênix.

Ingloryon disse...

Belo conto, mas insensato =)

Anônimo disse...

"monstro vazio criado pelos meus pais."

só não concordo muito com essa parte, eu posso estar errada, mas creio que os pais tem grande influência na formação da personalidade dos filhos até certa idade, pois acredito que é sempre possivel mudar, como o personagem do conto procurou, portanto, não foram apenas os pais deles que criaram o monstro, creio que ele próprio também.


já assistiu 21 gramas? lembrei do filme.
"a vida não simplesmente continua"

Táxi Pluvioso disse...

Philosophy rules... ficamos japoneses.

Feliz ano novo.